Written by: Feminismo Negro

Um Manifesto pelo Direito de Ser Frágil (quando a sociedade exige que sejamos tão fortes)

Sim, é para ti, mulher preta

Não, mulheres pretas não são mais fortes

Sim, eu sei. Caso sejas uma mulher preta, tal afirmação soar-te-á prepotente. Compreendo. Afinal, desenvolvemo-nos em uma sociedade a qual ensina-nos a respeito de como “possuímos diferenciadas resistências às intempéries da vida”. Não surpreender-me-ei, caso tu creias que o histórico fustigante de nossas ancestrais, tornara-nos mulheres “mais fortes”. Provavelmente, sintas na pele aquilo que partilho e ao final do dia, suspires e te deites em tua cama, exausta, a pensar: “O que seria de mim, caso não fosse tão… forte?”.

Talvez, sejas uma mulher branca, tipicamente feminista e “pró-movimento negro”. Provavelmente, estejas ultrajada, a elaborar complexos argumentos os quais poder-me-iam destruir a precoce argumentação. Porém, para que não reste-lhes dúvidas, explicarei tudo.

01. Do porquê não somos mais fortes, entretanto, convencem-nos disso

Desde a tenra infância, potentes figuras femininas permeiam-nos o imaginário. Bisavós descendentes de escravizadas libertas, mães as quais educaram seus filhos completamente solitárias e tias as quais trabalham diariamente em prol do sustento de parentes idosos. Solitárias. Mulheres pretas as quais conheceram a pobreza, o descaso e intempéries precocemente. Porém, jamais renderam-se ou curvaram-se perante às circunstâncias.

Tais mulheres; matriarcas, chefes em empresas, domésticas, sempre alçadas tal símbolo supremo da potência feminina. Obstinadas. Brutas. Invencíveis. Afinal, divergindo das mulheres brancas, possuímos músculos mais rígidos, sim? Suportamos a labuta. Somos “duras na queda”. Como tais afirmações poder-nos-iam ser prejudicais, se tão somente enaltecem-nos a força?

E caso dissesse-lhes que tais ideias, em constante reverberação na sociedade, são fundamentadas no racismo científico e estrutural, não tratando-se de uma ode à força da mulher negra?

Acomodem-se, contar-lhes-ei uma história

Quando países europeus exerciam com veemência seus poderes imperialistas sobre África; a destruir civilizações, sob um totalitário regime fundamentado em saqueamentos e colonização, instauraram o tráfico de indivíduos africanos para a escravização na Europa e Américas. Posteriormente, durante o iniciar do século XIX, teses pseudocientíficas teorizadas sob o racismo científico (racialismo), possuíram imensa evidência e legitimidade. Dentre seus adeptos, pode-se ressaltar:

“[…] o médico Samuel George Morton (1799–1851), com base nos seus estudos de anatomia e, particularmente, craniologia, afirmava “que os crânios das raças tinham vários tamanhos e que quanto maior o tamanho, maior o cérebro, quanto maior o cérebro maior a inteligência e a capacidade de evolução.” […] Se os negros pertencem às “raças inferiores” eles, então, poderiam ser escravizados, torturados, mutilados, encarcerados arbitrariamente e exterminados.”


Fonte: Racismo “científico” (origens das teses racistas na modernidade)

Inspirado nesta perspectiva, o médico James Marion Sims (1813–1883), reconhecido tal o “pai da ginecologia”, utilizara mulheres pretas escravizadas enquanto cobaias para seus experimentos de cirurgia ginecológica. Tal agravante, apesar da existência de anestésicos, Sims recusava-se a utilizá-los nas mulheres, submetendo-as à torturas terríveis sob o pretexto: “os africanos tinham uma tolerância fisiológica incomum à dor, que era desconhecida pelos brancos”, então, jamais anestesiara suas cobaias africanas.

Apesar de teoricamente combatidas, tais concepções perpetuadas por conceitos racistas, permanecem a vigorar na sociedade. A falácia da “força superior da mulher preta”, traz-nos malefícios incontáveis, tais: segundo o jornal Estadão, mulheres negras permanecem a receber menos anestesiaem procedimentos médicos! Em pleno século XXI, resquícios de uma tortura racista reverberam nos sistemas de saúde brasileiros. Mulheres pretas permanecem a serem submetidas à maiores dores. Afinal, segundo a sociedade… somos mais fortes.

02. Para além da ciência: o âmbito social

Não obstante, tal conceito racista persegue-nos em demais aspectos da vida. Evoluindo para além do racismo científico, a ideação de “mulher preta forte”, reverberara-se ao âmbito social. Tornamo-nos, sob a percepção hegemônica, mulheres “destemidas e precocemente amadurecidas”. Deste modo, serviços nos quais maior prontidão física, labutas braçais e responsabilidades administrativas são exigidos, quando são-nos atribuídos, usualmente ressignificam-se tal algo inerente à nossa “natureza”. Este pensamento, nutrira a criação de um dos estereótipos constantemente marcantes e largamente utilizados por veículos audiovisuais e cultura pop, os quais reafirmam-no como um retrato fidedigno da realidade: a mulher negra forte.

“Na maioria dos casos, mulheres negras costumam ser retratadas como seres inabaláveis, capazes de aguentar todos os fardos possíveis e imagináveis.”

Fonte8 estereótipos de mulheres negras que a mídia precisa parar de usar

Divergindo da classe feminina caucasiana, os traços e performances afro-descendentes excluem-se dos símbolos áureos de feminilidade. Retratam-nos tal rústicas, “antifemininas” ou demasiadamente fortes, conduzindo-nos à imensa solidão e exaustão. Por conta de tal crença, diversas mulheres negras tornam-se desamparadas em momentos de vulnerabilidade. Afinal, estar vulnerável não é-nos permitido. Carecemos de estar constantemente disponíveis e inabaláveis. Somos as mãos cuidadoras, o seio protetor, aquelas as quais solucionam questões alheias. Contudo… quem acolher-nos-á? Quem solucionará nossas questões?

Inúmeras mulheres pretas sentem-se extremamente sobrecarregadas e fatigadas, jamais frequentaram psicólogos ou estão a negligenciar cuidados em áreas da saúde. Quantas, estiveram completamente sozinhas em momentos apreensivos, pois, segundo amigos e família, “conseguiriam lidar com isso”? O mito da mulher preta forte silencia-nos o sofrimento e nega-nos a vulnerabilidade emocional natural à quaisquer indivíduos. Toma-nos a humanidade e põe-nos em um ambiente de solidão e servidão, travestido de “homenagem”. Uma jaula de ouro.

“Carecemos de auxílio. Não somos criaturas inabaláveis”.

A sociedade, por intermédio do racismo e afromisoginia estrutural, aloca-nos no derradeiro patamar. Somos maioria em comunidades periféricas, labutas braçais, a educar filhos sem amparo e minoria nas universidades. Cruelmente, designam-nos merecedoras de tal realidade, suportadoras. Silenciosas. Atarefadas. Demasiadamente atarefadas para si mesmas.

“Sim, fazem-nos carregar o mundo nos ombros”!

Tu não careces de fazê-lo. Ao menos, não deverias carecer. Abraça a tua fragilidade, desarme-se. Sim, não é-nos simplório desconstruir séculos de doutrinação. Inicies pausadamente. Dê um tempo a si mesma. Respire fundo. Cuides de tua saúde mental, não negligencies os teus sentimentos. És importante. (Repitas, até que creias veementemente nisso)! Preta, não careces de carregar o mundo nos ombros. Por mais que eles desejem convencer-te a fazê-lo.

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Tags:, Last modified: 1 de agosto de 2021