Recentemente, os conflitos geopolíticos protagonizados pelos Estados Unidos da América e pelo Afeganistão têm recebido imensa visibilidade em decorrência da retomada de poder do grupo terrorista Taleban sobre o território afegão. Não obstante, o regime que já estivera em domínio do país entre os anos de 1996 e 2001 é caracterizado pela total dominação exercida sobre mulheres e crianças. No coração deste conflito, residem inúmeras questões geopolíticas complexas, dentre as quais, a incidência do imperialismo norte-americano e o poder exercido pelo Ocidente sobre o Oriente.
Como nos é de ciência, o Patriarcado trata-se de uma estrutura global que possui por base a Supremacia Masculina e mantém modulações específicas em todos os países, encontrando ecos nas políticas, religiões e culturas. Em uma sociedade na qual, para além da opressão patriarcal, experimenta-se a opressão étnico-racial, econômica e imperialista, arranjos complexos de tais mecanismos atingem mulheres de modos distintos a depender de sua localização. E, neste cenário no qual as questões étnico-raciais e culturais por vezes são destituídas de sua importância, estereótipos, lugares comuns e ecos de ideologias imperialistas eclodem no feminismo.
Por conta disso, a teórica feminista decolonial Françoise Vergès cunhou o termo “feminismo civilizatório” que, a grosso modo, designa a união entre alas neo-liberais do feminismo europeu e dos ideais imperialistas que reafirmam o poder ocidental. Nesta sanha pela manutenção da hegemonia, mulheres racializadas tendem a ser estereotipadas enquanto ignorantes, inaptas e carentes de uma suposta salvação que partiria apenas do Ocidente. Contudo, tais ideações exibem-se inteiramente falhas, quando nos recordamos dos altos índices de estupros, violência doméstica, feminicídio e pornografia infantil em países do ocidente geográfico. O Brasil, apesar de não tratar-se de uma teocracia, já fora eleito um dos piores países na América Latina para ser uma menina.
Mulheres afegãs e de países árabes possuem uma longa história de luta em prol de sua emancipação. Tal qual mulheres negras, as mulheres árabes e afegãs jamais mantiveram-se passivas frente aos avanços patriarcais e fundamentalistas. Faz-se essencial compreender a história edificada por tais mulheres, realizar a leitura de suas obras teóricas e articular-se em comunhão internacional em prol de sua emancipação. Não seremos livres, até que todas o sejamos.
Fotografia por Louiza Vradi
Só uma nota: nós brasileiros somos considerados “não-ocidentais”(non-western). Descobri isso recentemente num fórum de geopolítica enquanto procurava dados sobre Império Austro-húngaro : me deparei com um tópico bastante ativo ( e com muita briga) sobre como a America Latina que, apesar de ser geograficamente ocidental, culturalmente não é considerada como tal. o Ocidente propriamente dito é EUA, Canada, Europa como um todo e em alguns casos, Austrália e Nova Zelândia ( pela lingua inglesa).
Então, nós somos vistas e tratadas em estudos de gênero nesses citados países, como mulheres non-westerns e e com o mesmo paternalismo citado no texto. Um exemplo: o estudo sobre o suposto paradoxo da igualdade de gênero ( the gender-equality paradox) cita o Brasil nestes termos. Americanos e afins também acham que somos inapatas,carentes,etc da mesma forma que as mulheres do Oriente Médio ou de qualquer outro lugar fora das esferas deles. Inclusive já fui tratada com paternalismo em alguns momentos. Feministas neo-liberais “ocidentais” ( e outras também) acham que sabem mais sobre nós e nossa cultura que que nós mesmas!
Pra mim parece uma piada de mal gosto: os EUA são muita mais misóginos em diversos sentidos que o Brasil; eu vejo muito mais “brasileira ignorante” reclamar de machismo ( mesmo sem se declarar feminista) do que americanas/européias “emponderadas e livres”. Tanto que eu sou veementemente CONTRA ficarmos utilizando muitos textos traduzidos desses países “ocidentais” em sites/blogs/etc feministas. Nós estamos mais perto das árabes,afegãs,africanas,países laitinos-americanos do que mulheres brancas do Primeiro Mundo.