Written by: Feminismo Raiz

A cultura da pedofilia e os “homens mais velhos”

O que podemos pensar a partir das reflexões feitas por Demi Lovato na música “29” sobre ter estado com um homem adulto durante a sua adolescência?

Na última sexta-feira (19), a cantora Demi Lovato lançou mundialmente o álbum Holy Fvck, que segue a linha intimista do seu trabalho de estúdio anterior, “Dancing with the Devil”. No disco, a cantora narra a sua trajetória de “menina modelo” até os momentos mais críticos com a dependência química, questões familiares e relações abusivas. Demi Lovato é uma artista que possui um histórico de violência conhecido, tendo sido estup4d4 ainda quando trabalhava na Disney e desenvolvido dependência química na adolescência. A cantora autodeclarou-se “pessoa não binária” no ano de 2021, logo após algumas de suas declarações sobre preferir ter relações sexuais com outras mulheres gerarem polêmica.

Das quinze canções presentes no álbum, uma das que mais capturou a atenção do público foi “29”, música na qual a cantora aborda o seu relacionamento aos dezessete anos com um homem que na época possuía vinte e nove. Durante a canção, Demi Lovato questiona as suas capacidades de consentimento quando, segundo ela, “havia menstruado há apenas cinco anos” e cogitava estar vivendo um “sonho adolescente”. Com acentuada repercussão, a faixa se tornou trend no aplicativo vizinho, na qual jovens e adolescentes têm abordado suas experiências abusivas com homens mais velhos que se aproveitaram de sua imaturidade.

No contexto social em que vivemos, mulheres são constituídas como “seres por atribuição”, significando assim que nunca somos um fim em nós mesmas, mas conquistamos o direito à alguma construção de identidade ao passo de que desempenhamos funções específicas no contexto patriarcal. Desde a infância, através da cultura, meninas aprendem que suas funções possuem relação intrínseca com o desempenho de papéis de cuidado e performances sensuais e/ou sexuais. Quando abordamos o contexto de meninas racializadas, a percepção de que o seu valor está relacionado ao seu trabalho de cuidado e às suas atribuições sexuais, se torna ainda mais acentuada.

Pétala na videira, muito jovem para beber vinho
Apenas 5 anos de menstruação, aluna e um professor
Longe de ser inocente, que porra é consentimento?
Os números te disseram não, mas isso não te parou.

— Demi Lovato, “29”

Dito isto, a sexualização e a romantização de ideais masculinos chegam com maior rapidez ao nosso inconsciente. Como mulheres, somos socializadas a partir do perigo iminente da violência masculina, e por vezes isso nos conduz a almejar a proteção de figuras que nos pareçam acolhedoras, fortes e capazes de livrar-nos do perigo representado por outros homens. Nessa ânsia que em nós é criada, protagoniza a romantização da figura paterna projetada em indivíduos exteriores, como o “homem mais velho” que possui “mais experiência” e, consequentemente, “mais dinheiro”. A associação citada se torna explícita em contextos como os dos relacionamentos “sugar” (homem mais velho que compra os serviços sexuais e afetivos de meninas e mulheres jovens) e também na normalização de relações que se baseiam na diferença de idade, beirando os limites da hebefilia (desejo por crianças a partir dos 11 anos).

A estrutura social enfraquece meninas e mulheres, bombardeando-as com o crescente terrorismo sexual, para que se sintam impelidas e cada vez mais favoráveis à manter relações com homens mais velhos em busca dos ideais de segurança, conforto e dinheiro. Afinal, a juventude da mulher se configura como um capital social que demonstra a virilidade do homem que a possui, ao passo de que a mulher, socialmente empobrecida (o sexo feminino é historicamente mais pobre), vê-se “lucrando” financeira e simbolicamente por ter sido também “escolhida”. A cultura valoriza mulheres mais jovens, assim como também adolescentes em uma perspectiva sexual, porque a ignorância e a vulnerabilidade femininas são sexualmente excitantes em uma sociedade construída, pelos homens, nos pilares da exploração sexual de meninas e mulheres.

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Tags:, , , Last modified: 29 de agosto de 2022