Uma das características principais das sociedades nas quais há processos coloniais — sejam estes a partir do colonialismo étnico e cultural ou sexual, como através da dominação masculina — é a classificação da sexualidade e dos usos do sexo não apenas como um fator organizacional, mas também como uma mercadoria cuja oferta carece de constância. Quando retornamos à teóricas como Lélia Gonzalez, nos deparamos com a estrutura socioeconômica do sexo em um contexto no qual os corpos de mulheres negras, mestiças e indígenas estariam disponíveis não apenas para sexo recreativo, mas também para todos os subprodutos do sexo — procriação, trabalho de cuidado, amamentação e etc.
Dentro desse contexto, é inegável que as sequelas de um modelo organizacional que pauta mulheres como coisas, meios ou objetivos de finalidade específica, alcançariam a atualidade e influenciariam no bem-estar feminino, assim como nos aspectos da dominação masculina em solo brasileiro. Na cultura patriarcal, mulheres não são dotadas de personalidade, consciência corporal própria e autonomia inalienável, sendo rebaixadas à categoria de corpos. Corpos femininos cujas finalidades estão traçadas desde o nascimento: sexo recreativo, procriação, trabalho de cuidado e trabalho afetivo.
Para que a configuração desses papéis permaneça estática e seja facilmente assimilada por mulheres e homens, contamos com a macro-estrutura discursiva que através da religião, da cultura e das estruturas sociais, tais como a família, nos doutrina para que aceitemos enquanto normalidade que mulheres têm data de validade, mulheres não podem negar sexo à homens, mulheres não podem negar descendentes (filhos) e, em hipótese alguma, podem reivindicar o direito à uma humanidade plena.
Dentro dessa construção, não nos surpreende que o estupro tenha levado séculos até que fosse categorizado como infração legal e, inicialmente, era concebido como um crime contra a honra de quem detivesse a mulher — pais, irmãos e maridos. Nos tempos atuais, por mais que muitos considerem que a sociedade está fugindo à esse padrão, ainda é comum que mulheres precisem de subterfúgios como “dores de cabeça” para que a sua negativa ao sexo seja “aceita”. Assim como muitas ainda são convencidas de que precisam realizar todos os desejos sexuais de seus parceiros, caso contrário, haveria uma justificativa implícita para que fossem traídas.
Homens construíram as definições sociais em torno do sexo a fim de que o mesmo fosse considerado um direito deles sobre os corpos femininos. Não ironicamente, houve períodos nos quais defendia-se que deveria haver “oferta” de mulheres em situação de exploração sexual, para que homens não estuprassem aleatoriamente “mulheres de bem”. Ao conhecermos a história do sexo dentro de um contexto no qual mulheres estão há mais de 2 mil anos cerceadas como gado em uma fazenda, nos questionamos: quais os limites de termos como consentimento? Nós, como sociedade, de fato sabemos o que significa consentimento?
Só uma nota: nós brasileiros somos considerados "não-ocidentais"(non-western). Descobri isso recentemente num fórum de geopolítica enquanto procurava dados sobre Império…