Written by: Feminismo Raiz

Não é permitido ser virgem aos 39 anos

O que a revelação da atriz Yvonne Orji, da série “Insecure”, nos diz sobre a colonização da sexualidade feminina

Nas últimas semanas de 2023, a atriz nigeriana-americana Yvonne Orji, mais conhecida pela sua interpretação na série norte-americana “Insecure”, surpreendeu o público ao declarar que permanece virgem aos 39 anos. Apesar desta declaração estar associada ao fato da artista se afirmar uma mulher cristã, inúmeras matérias nos Estados Unidos e em demais países foram escritas a respeito da temática, assim como houve repercussão nas redes sociais. Afinal, em uma sociedade hipersexualizada, como poderia uma mulher famosa, rica e bonita permanecer virgem?

Ao contrário do que muitos podem ser conduzidos a pensar, o cerne da questão não está nas circunstâncias que conduziram a atriz a permanecer virgem, mas sim, em como ela de fato CONSEGUIU permanecer virgem em um mundo no qual homens impõem a sua sexualidade sobre as mulheres através da violência sexual generalizada, cultura pornificada, chantagens emocionais e violências psicológicas. Como compreendemos através de autoras como Dee L. R. Graham, Andrea Dworkin, Gerda Lerner e Susan Brownmiller, a vitória estrutural da casta masculina sobre a casta feminina, se deu justamente a partir de elementos da dominação sexual.

Ao descobrir que poderiam utilizar o pênis como uma arma, homens conseguiram desenvolver o conhecimento que lhes seria tão útil quanto foi a descoberta do fogo para o homem paleolítico: colonizar a sexualidade das mulheres proporciona uma gama inimaginável de poder social, psicológico, cultural, discursivo e econômico. Através da colonização sexual, homens conseguiram erguer impérios, institucionalizar os trâmites do matrimônio, o abuso sexual infantil, a religião falocêntrica e masculinista e o sistema econômico – todos, à sua imagem e semelhança.

Há uma razão sócio-histórica para que a virgindade feminina tenha sido concebida como um troféu, ao ponto de homens em sociedades patriarcais tradicionais buscarem matrimônio com menores de idade, para que houvesse comprovação de sua total virgindade e “inocência” perante o ato sexual. A cultura da pedofilia atrelada à cultura do estupro possui uma finalidade para além da recreação e do controle das capacidades reprodutivas – os homens colonizam mulheres com o pênis. Desta forma, a existência de mulheres adultas ainda virgens se torna insuportável, uma falha persistente no modus operandi masculino. Por isso, precisam se tornar alvo de chacota, a fim de que haja uma punição social pelo seu comportamento desviante.

A virgindade é concebida socialmente como um “bem” que só pode ser tomado de uma mulher, por um homem. Ainda na atualidade, não há consenso social a respeito do potencial erótico das relações sexuais entre duas mulheres, ou das relações sexuais não-penetrativas. A maneira como encaramos socialmente o sexo está manchada pela dominação masculina. As relações sexuais heterossexuais em uma sociedade patriarcal, não são concebidas originalmente como fonte de prazer para mulheres, mas sim como um método de reafirmar o seu papel atribuído no esquema da dominação sexual. Por isso, mulheres que não se deitam com homens – sejam elas virgens, celibatárias ou lésbicas, – são mais do que um incômodo. São uma ameaça.

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Tags:, , , Last modified: 20 de janeiro de 2024