Por conta do passado colonial, no qual a política genocida caucasiana possuía como objetivo a hiper-miscigenação que daria fim ao negro brasileiro, muito bem representada no quadro “A Redenção de Cam”, as políticas de identificação brasileiras se baseiam na autoidentificação. Afinal, em um país no qual indivíduos de inúmeras etnias foram forçosamente amontoados e com imensa ocorrência de estupros perpetrados contra mulheres africanas e indígenas, não é possível reivindicar uma pureza racial e tampouco enquadrar indivíduos em espaços nos quais não se percebem.
Quadro “A Redenção de Cam”, de Modesto Brocos. 1895.
Entretanto, a ojeriza brasileira ao preto e àqueles que possuem traços subsaarianos mais acentuados jamais se extinguiu. Com Lélia Gonzalez e Abdias do Nascimento, aprendemos que o Brasil se estrutura em uma pigmentocracia, na qual a tonalidade da pele serve como demarcador da força do estigma – se seremos mais ou menos hostilizados e em qual classe social estaremos. Afinal, sabe-se que o demarcador “pobreza” neste país é igualmente étnico, segundo a Agência IBGE “a proporção de pessoas pobres no país era de 18,6% entre os brancos e praticamente o dobro entre os pretos (34,5%)”. Quanto mais escura é a pele, menores são as oportunidades de ascensão social, econômica e proteção contra violências.
Nas últimas décadas houve um esforço de alas da esquerda negra em importar teorias norte-americanas que intentam em apagar a historicidade étnica do país e unir pretos e mestiços de diversas etnias em um único bloco ao qual chamam “negros”. Uma realidade que sempre foi socialmente percebida é esta: o Brasil se trata de um país no qual jamais houve pureza racial.
De fato, todos nós, do mais claro ao mais escuro, somos geneticamente mestiços. Dessa forma, o que nos demarca nos espaços: “branco”, “preto” e “pardo”, tem sido a tonalidade da pele e o nível de passabilidade dentro da ótica supremacista branca. Povos indígenas, por outro lado, se encontram em uma situação mais elaborada, haja vista a sua experiência cultural expandida.
No contexto atual, “ser negro” ou especialmente PRETO, tem conferido benefícios e status no interior da militância e em espaços de poder progressistas. Afinal, deseja-se promover uma inclusão que mantém o status quo tal qual sempre foi. Os negros claros, aqueles que podem “transitar entre mundos” e que muitas vezes já são oriundos de famílias mais estruturadas, ascendem ainda que paguem seus preços. Os pretos, aqueles que não podem transitar, permanecem nas favelas, na frente dos fogões e sob os viadutos.