Written by: Feminismo Raiz

#FreeBritney: uma análise da dominação das mulheres

Apesar de tratar-se de uma mulher caucasiana, famosa e multimilionária, o seu pertencimento à classe sexual feminina sempre resultará em dinâmicas opressivas no interior da sociedade patriarcal.

Britney Spears é, indiscutivelmente, um dos maiores fenômenos da Indústria Cultural e do mercado pop das últimas décadas. A superestrela que está sob os holofotes desde a sua infância, trilhou um caminho verdadeiramente similar àquilo que idealizam como a American Princess, participando de concursos de beleza, atuando no Clube do Mickey e em demais produções ainda quando menina. Desde a infância, Britney fora submetida às intempéries da socialização feminina, tendo o seu corpo objetificado por outros adultos, explorado pelos tabloides midiáticos e, sobretudo, pelos interesses de sua família.

Por conta dos incontáveis anos de exposição em um cenário pernicioso às mulheres e da intrínseca cultura de objetificação e coisificação feminina que impera na Indústria Cultural, Britney Spears acabara por desenvolver instabilidades emocionais e a ter sua figura rapidamente associada ao estereótipo da “mulher insana”. Este que é utilizado a fim de desestabilizar a credibilidade e o direito à humanidade plena de mulheres há séculos. 

Graças a isso, no ano de 2007 a cantora sofrera um episódio psicológico que até a atualidade é conhecido como um dos mais catastróficos eventos da cultura pop. Britney já não mais suportava a perseguição de paparazzis, os comentários perniciosos a respeito de si e, sobretudo, as intensas exigências as quais a mantinham afastada de suas crianças e da sua autonomia. Após raspar os cabelos, quebrar janelas de carros e recusar-se a sair de sua residência, a cantora fora internada em uma clínica de reabilitação. E, a partir deste ponto em sua história, a maior tragédia iniciou-se.  Afinal, a concepção da “loucura” sempre tratou-se de uma das mais apuradas ferramentas a fim de sustentar a hipótese do controle masculino sobre os corpos e vidas das mulheres, apoiando o ideal de uma suposta tendência feminina à “loucura”.

Após os trâmites que se seguiram, a cantora Britney Spears fora alvo de uma solicitação de Conservatorship (interdição), que implicaria em perder os direitos plenos e autonomia total de sua vida, finanças e corpo a fim de “preservar-se” em decorrência do episódio psicológico. Deste modo, o tutor (até o momento, seu pai) teria plena autonomia sobre sua vida e finanças. Inicialmente, alguns consideraram esta uma medida apurada. A concepção cultural da mulher enquanto um indivíduo carente de controle conduzira alguns à tais pensamentos. Entretanto, o diagnóstico psiquiátrico de Britney Spears jamais fora divulgado, havendo suposições de que ela possua “demência precoce”, alegação que não sustenta-se face a todos os trabalhos que a artista realizou nos últimos treze anos. 

A vida da cantora fora inteiramente modificada, Britney perdera alguns dos direitos humanos básicos, não podendo escolher onde ir, como ir, como utilizar suas finanças, com quem relacionar-se e até mesmo se deseja (ou não) gerar filhas e filhos. Contrariamente àquilo que é esperado de uma interdição, a artista fora coagida a trabalhar intensamente nos últimos anos, aumentando um patrimônio financeiro que é tutelado (e usufruído) por seu pai e família. Ademais, a cantora possui um contato limitado com os filhos e com aqueles que deseja. Não podendo sequer possuir um smartphone. Após certo tempo, seus fãs passaram a perceber o teor abusivo de tal situação e iniciaram a campanha #FreeBritney, que possui como anseio o fim da interdição. 

Como era esperado, a cantora jamais pudera pronunciar-se abertamente a respeito, sendo impedida de contratar advogados para si ou ter outros representantes jurídicos. Afinal, o seu pai (beneficiado), permanece como responsável pela gestão de sua vida. Entretanto, Britney sempre tentara reverter o quadro. Após a grandiosa repercussão do movimento #FreeBritney, a cantora conseguira uma audição judicial completamente livre no dia 23 de junho deste ano. Nesta audição, Britney compartilhou informações assustadoras a respeito da natureza de sua tutela (interdição). A cantora relatou abusos físicos, psicológicos, chantagens, e domínio total de seu corpo, tendo afirmado ter tido um DIU instalado em si obrigatoriamente para que não pudesse ter filhos.

Este caso se trata de uma infeliz e perceptível exemplificação do ponto ápice da dominação masculina sobre os corpos femininos. Apesar de tratar-se de uma mulher caucasiana, famosa e multimilionária, o seu pertencimento à classe sexual feminina sempre resultará em dinâmicas opressivas no interior da sociedade patriarcal. Britney, tal qual todas as demais mulheres, tivera sua imagem erotizada, explorada e a sua humanidade tolhida através dos processos de socialização e estigmas infligidos ao feminino. A permissividade social ao controle dos corpos femininos produz cenários nos quais a desumanização feminina, para além de “aceitável”, perpetua sobre mulheres violências inimagináveis. Que jamais venhamos a nos esquecer de que o Feminismo se trata da ideia radical de que mulheres são seres humanos. Pois, em uma supremacia masculina, alocam-nos tão somente como extensões do desejo masculino.

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Tags:, , Last modified: 1 de agosto de 2021