Written by: Feminismo Negro

AMAS DE LEITE E A CONDIÇÃO DAS MULHERES NEGRAS NO BRASIL

Um feminismo emancipador não aceita que “negras da casa” fiquem nas cozinhas das “feministas de verdade”, não aceita passivamente o suborno da classe masculina e tenta construir pontes entre mulheres, ao invés de usufruir da desigualdade sistêmica.

Nos últimos dias, estive a trabalho nas cidades de Goiânia e Brasília. No penúltimo dia da estadia, fui levada a visitar o Parque Flamboyant, ponto turístico da cidade de Goiânia. Localizado em uma região de luxo, o parque está circundado por prédios e outros empreendimentos de valores milionários. Ao longo da visita, me deparei com cenas que muito se repetem nos bairros de luxo do Brasil, onde a desigualdade social talhada no sexo e na raça permanece exposta. Mulheres negras, mestiças e nordestinas, jovens e mais velhas, empurrando os carrinhos de bebê de mulheres brancas, loiras e de classe econômica superior. Como de costume, as mulheres em função de babá ou empregada estavam “fardadas”, deixando claro qual o papel social que estavam a ocupar naquele “passeio”.

As cenas em Goiânia são o retrato de um país colonial cujas feridas permanecem abertas e sobre as quais, até mesmo entre mulheres, por vezes é dificultoso dialogar. As relações raciais estão embebidas em demais contextos, tais como a opressão de sexo — para mulheres racializadas — e a opressão econômica — para as mulheres de classe baixa. No Brasil, o trabalho doméstico e de cuidado está relacionado ao período escravocrata, haja vista que a maioria das mulheres nessas profissões são racializadas e/ou nordestinas, por vezes oriundas de um ciclo de trabalho de cuidado geracional.

A exploração de mulheres negras e racializadas por outras mulheres se trata de um tabu no movimento feminista, principalmente porque a questão racial, além de não ser dignamente explorada por aquelas que não almejam enfrentar o privilégio racial, também esbarra em um dos subornos oferecidos pelos homens às mulheres brancas: a possibilidade de terceirizar a sua opressão, incumbindo outra mulher das tarefas que delas são cobradas enquanto esposas e mães.

Um feminismo emancipador não aceita que “negras da casa” fiquem nas cozinhas das “feministas de verdade”, não aceita passivamente o suborno da classe masculina e tenta construir pontes entre mulheres, ao invés de usufruir da desigualdade sistêmica.

O racismo é o elefante branco na sala — e precisa ser discutido.

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Tags:, , Last modified: 7 de fevereiro de 2023