Recentemente, o grupo extremista Talibã ordenou a ocultação das cabeças de manequins expostos em vitrines na cidade de Cabul, capital do Afeganistão. Segundo matéria disponível no portal G1, o grupo que tomou o poder nos últimos meses, intentava inicialmente em ordenar a decapitação dos manequins femininos, seguindo uma interpretação estrita do Alcorão que condenava a presença de símbolos e imagens que poderiam vir a ser “adoradas” pelos seres humanos. Entretanto, tais restrições possuem como base o crescente anseio por manter as mulheres à margem da vida pública no país.
Ainda segundo a matéria, é possível contemplar manequins masculinos que também possuem as cabeças cobertas. Contudo, em menor número e maneira não uniforme, o que leva a crer que as restrições se impõem de forma mais incisiva às figuras femininas. Além disso, apesar de representantes do Talibã terem se manifestado no início do golpe, afirmando que a nova versão do regime não seria tão ríspida como a primeira, os direitos das mulheres vêm sendo minados de maneira atroz, principalmente o acesso à educação e aos espaços públicos.
A postura altamente misógina do regime extremista, fundamenta-se em princípios de base já utilizados em outras ditaduras de caráter fundamentalista religioso e em demais sociedades sexualmente estratificadas. Afinal, a colonização de um povo ou de uma casta, se dá sobretudo a partir da colonização do imaginário. Deter o poder sobre a narrativa, significa deter o poder para a definição da própria realidade social. Não obstante, para o estabelecimento bem-sucedido de uma ditadura misógina, se faz necessário elevar até a última potência os princípios que já coexistem nas sociedades patriarcais clássicas.
Nesse contexto, a invisibilização das mulheres se dá através da sua alocação em espaços específicos e das punições sociais às quais são submetidas quando desviam ou destoam dos padrões de comportamento que para elas são destinados. Afinal, a construção desse imaginário está, sobretudo, naquilo que consideramos sutil. Desde o fato de que comentaristas esportivas do sexo feminino, quando não sexualmente atraentes, capturam menos a atenção dos telespectadores com a sua fala, até os maridos que afirmam sentir um profundo tédio ou anseio por ignorar as falas das suas esposas, pois consideram a voz e as atitudes femininas incômodas.
Um dos objetivos primordiais da invisibilização reside em m4t4r o ser socialmente, retirando de si o respeito próprio e a autoconsideração, contribuindo para a narrativa de que algumas pessoas são indivíduos e outras, são “seres por atribuição”. Por conta disso, no escopo de uma estrutura social opressiva, o acesso à palavra e à visibilidade sobre quem se é enquanto grupo, se tratam de um dos pilares mais atingidos e minados por aqueles que desejam factualmente controlar e exterminar o autoconhecimento das oprimidas enquanto indivíduos.
Entretanto, no centro e nas periferias do Mundo, as mulheres ainda resistem.