Desde os primórdios da Indústria Cultural, a imagem do casamento foi edificada sob uma perspectiva ambígua e enviesada quanto ao sexo, a religião e a classe social dos indivíduos que compõem o público direcionado. Esta, como uma instituição social construída a fim de realizar a manutenção de poder da classe dominante, aqui reconhecida como a casta masculina, teve o discurso sobre si adaptado ao longo das eras.
Se em determinados períodos históricos, o casamento era contemplado enquanto uma união sagrada e estabilizadora, nos períodos pós-revolução industrial no ocidente e em suas periferias, o casamento passou a ser o fundamento da sociedade burguesa e a servir, sobretudo, como um regulador moral e social dos indivíduos e de suas relações interpessoais.
Entretanto, quando adicionamos os fatores trazidos pela teoria feminista, e em especial, pela teoria feminista de raiz, compreendemos que essa instituição se fortaleceu em um contexto social patriarcal, no qual as ligações entre mulher e homem se fazem necessárias em razão do empobrecimento histórico vivido pelo sexo feminino, da ameaça constante da violência masculina, dos princípios religiosos e também da pressão social sobre as mulheres. Afinal, ter uma “escrava” doméstica se faz essencial para que um homem possa cumprir com a sua incumbência dentro do sistema capitalista e também, para realizar a manutenção do seu papel social.
Pois, como um homem conseguiria trabalhar as suas oito ou nove horas diárias, estudar, ter uma carreira em ascensão, se não houvesse alguém para cuidar de si, dos seus filhos, da sua casa e da sua alimentação? O que seria do senhor sem a sua “escrava” doméstica? Vale salientar que, em muitos casos, as mulheres não são as titulares das propriedades nas quais vivem com seus maridos. Estando a casa, por muitas vezes, em nome deles.
Além disso, inúmeros foram os esforços teóricos e de pesquisa empírica no que tange comprovar que a vida de um homem que se casa é mais saudável e bem gerida do que a vida de um homem que permanece solteiro. E eu lhes questiono, isso ocorreria por quê? Seria… o “amor”? Lhes garanto que não, é o trabalho doméstico e de cuidado não remunerado. Ademais, a situação se torna ainda mais complexa porque mulheres também possuem vida trabalhista e assim, tendem a ter suas carreiras prejudicadas pelo acúmulo de tarefas.
Mas então surge o questionamento… “se o casamento é tão benéfico aos homens e tão maléfico às mulheres, por que os homens convencionam que o casamento é game over e tantas mulheres querem se casar?”. A resposta para essa questão carrega consigo inúmeros fatores, mas a grosso modo, um deles seria: psicologia reversa. Se os homens enquanto casta buscassem quase que desesperadamente pelo matrimônio, a impressão social seria que o casamento é efetivamente mais benéfico para eles, conduzindo mulheres à desconfianças e até mesmo, quem sabe, à repulsa. Mantendo-se socialmente distantes e utilizando estratégias tais o racionamento de afeto, homens conseguem monopolizar o mercado afetivo e fazer-nos acreditar que o matrimônio seria um benefício para nós, e por isso eles supostamente se negariam a concedê-lo.
Mas infelizmente, essa não é a única estratégia utilizada pela casta masculina a fim de aliciar mulheres ao casamento. Além desse fator, ainda existem inúmeros outros aspectos socioeconômicos, religiosos, psicológicos e culturais. Por isso, é necessário estarmos lúcidas e atentas.
Referências:
“Do Cabaré ao Lar: A Utopia da Cidade Disciplinar”, Margareth Rago.
“A Prateleira do Amor” Valeska Zanello
“O Calibã e a Bruxa”, Silvia Federici
Só uma nota: nós brasileiros somos considerados "não-ocidentais"(non-western). Descobri isso recentemente num fórum de geopolítica enquanto procurava dados sobre Império…