No interior da estrutura patriarcal, — esta sendo datada de mais de 2 mil anos e exibe-se em incontáveis sociedades e culturas —, a estratificação sexual fora e permanece a ser utilizada de modo a demarcar os espaços sociais ocupados por ambos os sexos. Contudo, diferentemente do que alguns podem conceber, o sexo biológico não se relaciona apenas aos papéis sexuais que serão atribuídos ao indivíduo, mas também, à classe a qual pertencerá. Afinal, desde os primórdios da aglutinação masculina, quando as figuras femininas foram destituídas de seu papel central na cultura e nos cultos religiosos, os homens passaram a moldar o mundo e a realidade social à sua imagem e semelhança.
Não obstante, territórios como: a linguagem, a mitologia, a filosofia, a ciência e todas as áreas de estudo, foram colonizados pela percepção masculina e pela inserção da suposta “superioridade fálica”. Apesar de haver esforços de alguns grupos para que termos como “vulva” e “vagina” retornem à obscuridade, vale salientar que toda a sociedade sexualmente estratificada é genitalizada. Palavras, como: “seminário” ou a falsa teoria de que o óvulo permanece incólume e passivo a espera do espermatozoide, não nos permitem esquecer o quão as próprias concepções sociais constroem o nosso imaginário para que concebamos o feminino como “passivo” e o masculino como “ativo”.
Por que a agressividade masculina direcionada às mulheres tem uma natureza tão sexual? Porque os homens não usam contra as mulheres o mesmo tipo de violência que eles usam contra os homens? A resposta pode estar no fato de o patriarcado usar as diferenças sexuais da anatomia para determinar o pertencimento dos indivíduos aos grupos opressor e oprimido.
— Dee L. R. Graham, “Amar para Sobreviver: Mulheres e a Síndrome de Estocolmo Social, página 112”
No que tange a experiência de vida das mulheres sob o regime patriarcal, faz-se notório que sua “marcação à ferro” ocorre no momento em que são identificadas como um humano que possui vagina. A partir da percepção do sexo biológico, constrói-se toda uma gama de estereótipos de gênero, expectativas sociais e, sobretudo, sanções tácitas e explícitas que circundam nossas vidas em basicamente todas as culturas atuais. Se a violência policial, as sanções econômicas e a pigmentocracia são utilizadas para demarcar a experiência de vida dos negros, a violência sexual, a tortura genital, a violência doméstica e todas as sanções que advém dela são utilizadas a fim de demarcar a experiência de vida das mulheres.
Neste cenário, percebe-se o porquê de haver violências específicas as quais são infligidas às mulheres e, geralmente, perpassam a misoginia cabal (o ódio aos genitais femininos), como estupros corretivos e a criminalização de abortos em um sistema aonde parte considerável das adolescentes engravida de homens adultos. Podemos citar, igualmente, o difícil acesso ao mercado de trabalho formal, dadas as preocupações com futuras “licença maternidade” ou “incômodos menstruais”.
Se a superioridade do pênis sobre a vagina é estabelecida por meio da violência sexual contra as mulheres, então, nas interações cotidianas com as mulheres, os homens podem se beneficiar dessa violência se eles as lembrarem de que eles, homens, têm pênis e elas, mulheres, têm vaginas.
— Dee L. R. Graham, “Amar para Sobreviver: Mulheres e a Síndrome de Estocolmo Social, página 113”.
A violência sexual sistêmica nos recorda a todo instante que possuímos uma vagina, e que esse é o motivo pelo qual nos confinamos em nossas casas, evitamos passeios noturnos, evitamos estar vulneráveis, evitamos beber à noite, evitamos aceitar gentilezas e vivemos fragmentadas. Aprisionadas no pânico que reside na certeza de que sofreremos violência em razão de sexo. As formas como tais violências atingem a constituição mental e física das mulheres, definem a posição subalterna que ocupamos como grupo e classe oprimida. A classe feminina se trata da única classe que carece de nutrir relações profundas com os seus opressores. E, ironicamente, são dessas relações que brotam a maior parte das violências diretas que sofremos.