Desde os primórdios das culturas que viriam a ser as bases da civilização ocidental, a figura feminina tem sido edificada sobre uma profunda culpabilização atrelada aos desígnios da própria socialização feminina. Afinal, se inicialmente poderíamos citar Hera, a deusa grega do matrimônio que era considerada uma “megera” por não suportar as traições de seu marido, chegamos à era cristã com figuras como Maria Madalena, comumente julgada por ter sido considerada durante anos como uma mulher em situação de prostituição e também, quando retrocedemos, nos é possível recordar da própria Eva, primeira mulher na mitologia cristã e que teria conduzido a humanidade à perdição, ou mesmo Lilith, que teria surgido primeiro e sido duramente punida por não aceitar passivamente a submissão.
No escopo do imaginário social patriarcal e religioso, por conta de sua condição enquanto mulher, a figura feminina está submersa em “pecados” os quais devem ser expurgados. Ao citar as questões étnico-raciais, percebe-se que mulheres negras sofrem uma culpabilização acentuadamente maior, pois atrelando a opressão sexual à afromisoginia e à opressão racial, se estrutura um cenário no qual a demonização e hipersexualziação das mulheres negras as torna ainda mais vulneráveis, como através da crença em uma suposta perda precoce da inocência. Na mitologia da baixa idade média, durante o famigerado período da “caça às bruxas”, as alegações de que mulheres estavam mais suscetíveis à serem possuídas pelo Diabo foram cruciais para que se construísse uma narrativa favorável às punições físicas e descrença nos testemunhos e argumentações das mulheres.
Atualmente, as narrativas sociais e a misoginia internalizada permanecem influenciando a percepção social a respeito dos níveis de culpabilidade que são destinados às mulheres, desde a mãe que é sempre considerada culpada em relação à educação dos seus filhos, às vítimas que são descredibilizadas ou mulheres que perdem ou estagnam as suas carreiras em razão dos julgamentos públicos, tal como Angelina Jolie durante o seu processo de divórcio em 2016. Graças à misoginia interna e ao auto-ódio aprendido no escopo da cultura, mulheres estão a um passo de apoiar o linchamento umas das outras, sem que sequer se atentem ao fato de que podem e possivelmente serão as próximas.
Só uma nota: nós brasileiros somos considerados "não-ocidentais"(non-western). Descobri isso recentemente num fórum de geopolítica enquanto procurava dados sobre Império…