No último dia 20, ficamos estarrecida(o)s com a notícia de uma criança que engravidou em decorrência de violência sexual e, ao buscar auxílio legal para fazer valer o direito ao abortamento mediante estupro, a mãe da menina se deparou com artimanhas anticonstitucionais, abusivas e dignas de tortura da parte de uma juíza e uma promotora em Santa Catarina. Durante o processo, a criança foi afastada de sua guardiã legal a fim de que o aborto previsto em lei não fosse realizado, além da intensa violência psicológica à qual a menina de apenas 11 anos de idade foi submetida.
Quando abordamos obras como “Amar para Sobreviver” e o “O Conto da Aia” e nos deparamos com a necessidade de uma figura feminina em posição de algoz perante outras mulheres, compreendemos a máxima: ninguém pode odiar tanto o oprimido como ele próprio. Mulheres se tornam as algozes mais ferrenhas de outras mulheres, pois o auto-ódio atrelado às necessidades de preservação de uma cultura a qual internalizaram as torna possíveis aliadas ferrenhas de seus próprios opressores. Deste modo, não surpreende que os algozes diretos desta menina e de sua mãe estejam sendo duas mulheres.
O sistema estatal, em sua formação baseada em aspectos religiosos, patriarcais e racialmente hierárquicos, fomenta o cenário ideal para a cooptação de mulheres e para o fortalecimento daquelas que desejam firmar-se ao lado do opressor para usufruir de benefícios. Esta barbárie não seria possível sem que o patriarcado não estivesse completamente alinhado às perspectivas religiosas que dominam e tão somente crescem em nosso país. Sob o prisma fundamentalista, mulheres e meninas não são seres humanos. Seus corpos, suas vidas e seus direitos não possuem importância suficiente para que sejam preservados.
Vivemos a barbárie.