Written by: Feminismo Raiz Sem categoria

A “farsa” da heterossexualidade feminina

Por que a heterossexualidade nas mulheres é construída às custas do terror?

Em uma sociedade acrítica na qual o espectro sexual humano é compreendido como um mero fator biopsicossocial, há momentos nos quais ocorrem esforços para que nos esqueçamos do caráter profundamente político que a sexualidade possui e do papel que desempenha em nossas vidas. Quando se aborda a História das Mulheres e a fundação de instituições e instâncias como a Família, a Religião e a Propriedade Privada, se faz necessário jamais esquecer do caráter violento que foi adotado a fim de “convencer” mulheres a se renderem. Pois, caso contrário, as incontáveis violências que já foram perpetradas contra elas, se intensificariam, tornando suas vidas ainda mais insuportáveis.

Um dos exemplos mais palpáveis que podemos utilizar, se trata do genocídio de mulheres que ocorreu na Baixa Idade Média europeia, sob o título de “caça às bruxas”. Segundo dados históricos presentes em livros como “Amar para Sobreviver”, “A História da Bruxaria” e o “Malleus Maleficarum”, mulheres que não possuíssem o favor masculino; solteiras, viúvas, em situação de prostituição, doentes, eram os maiores alvos das denúncias e, consequentemente, as mais sentenciadas à tortura e ao assassinato. Enquanto isso, acusações perpetradas contra homens e pessoas poderosas, eram consideradas suspeitas e/ou infundadas.

Deste modo, associar-se a um homem de forma íntima, poderia garantir a sobrevivência de uma mulher. O mesmo ocorreu e permanece a ocorrer em diversas sociedades ainda nos tempos atuais. Não obstante, a heterossexualidade das mulheres se exibe, em uma perspectiva histórica, como uma espécie de adestramento social e comportamental. Afinal, podemos questionar: “se eu percebo que mulheres que não amam e não se relacionam com homens, são mais pobres, são os maiores alvos, são abusadas por múltiplos homens ao invés de apenas um, e consequentemente sofrem uma violência masculina mais generalizada, não seria mais lógico e menos pior alinhar-me a um homem também?”.

Além disso, se faz importante recordar que a heterossexualidade feminina, como um estado não natural, é fomentada não apenas de forma sutil através da Indústria Cultural e sua fixação por “príncipes encantados”, mas também através do terrorismo sexual e de outras violências. Afinal, mulheres que se recusam a deitar-se com homens sofrem por vezes de algo que intitulamos “estupro corretivo” e outras humilhações relacionadas ao sexo e aos seus órgãos genitais.

Dentro deste processo, se faz essencial que as mulheres não enxerguem umas às outras como possíveis parceiras afetivas e/ou sexuais. Afinal, como quaisquer seres humanos, mulheres possuem desejos, e ao direcionar seus desejos afetivos e sexuais aos homens, isso significa que seu trabalho reprodutivo, doméstico e emocional gratuito será direcionado a eles também. Através desse trabalho gratuito, homens conseguem ascender socialmente e deixar descendentes legítimos, enquanto é através dessas relações que estatisticamente mulheres estão mais suscetíveis ao feminicídio e à violência doméstica.

Deste modo, se faz necessário questionar: por que a homossexualidade masculina sempre foi mais “pop” do que a feminina? Por que há tão poucas representações da homossexualidade feminina ainda que em cenários progressistas? Por que é importante que mulheres não sejam, não descubram, não cogitem ser homossexuais? Por que é importante que nós não falemos sobre isso? E por que é importante pensar que o sexo e o desejo não são ferramentas  essenciais em processos políticos que envolvem mulheres? A quem tudo isso beneficia?

Referências bibliográficas:

Dee L. R. Graham, Edna I. Rawlings e Roberta K. Rigsby. Amar para sobreviver: mulheres e a síndrome de Estocolmo Social. Editora Cassandra.

LERLER, Gerda. A Criação do Patriarcado: História da Opressão das Mulheres pelos Homens Capa comum – 2 outubro 2019. Edição Português.

SPRENGER, J. O Martelo das Feiticeiras: Malleus Maleficarum.

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Tags:, , Last modified: 4 de março de 2022