Há alguns anos, desde a ascensão do militantismo nas mídias digitais, o mesmo tem tornado-se alvo de indivíduos que anseiam se valer de questões caras ao ativismo feminista materialista, como a socialização feminina, a feminilidade, a heterossexualidade compulsória e tantas outras pautas, a fim de fundamentar uma mescla entre feminismo e comportamento coach, no intuito de tornar mulheres em um séquito fiel e comercializar resoluções mágicas e individuais para questões que nos afligem como casta em decorrência da opressão patriarcal. Nessa sanha, que muito alimenta-se das perspectivas neoliberais, mulheres seriam as únicas responsáveis pelo seu suposto “autodesenvolvimento” e “libertação” de comportamentos e padrões de relacionamentos nocivos.
No âmago de tal premissa, o discurso de que mulheres deveriam empregar menos energia em expor as mazelas do patriarcado ou queixar-se da violência masculina ganha forma, contra-argumentando que reclamações seriam perda de tempo e que mulheres deveriam investir a sua energia em outros tópicos, ou que talvez, se tanto desejam abordar os crimes ou mazelas cometidas pelos homens, devessem buscar ativamente por soluções, como se fossem as causadoras da disparidade entre os sexos.
Tais discursos ignoram um dos fatores mais importantes na longa historicidade da opressão masculina sobre a casta sexual feminina: o silenciamento. Ao longo dos séculos, mulheres foram social e culturalmente impedidas de argumentar, expor ou questionar a sua subalternização e o comportamento masculino nocivo. Durante décadas, mulheres sofreram represálias duríssimas, apenas por levantar premissas e nomear o modus operandi da opressão patriarcal. Nada nunca foi tão detestado do que uma mulher que fala.
Contudo, nessa nova tendência, as feministas que optam por permanecer denunciando as mazelas da opressão masculina e trazendo à luz um conhecimento que ao longo de séculos foi invisibilizado, tornam-se nas “feministas ressentidas”, propagando um “feminismo ressentido” que somente ensina mulheres a se rebelarem contra os homens e a “desperdiçarem energia”. Indivíduos que sustentam tais hipóteses, esquecem-se também de que um dos passos mais robustos em direção à recuperação dos traumas, é elaborá-los, abordá-los e falar tudo o que durante anos esteve interdito nas gargantas das nossas avós, das nossas mães, das nossas filhas… e das nossas. Carecemos de reconhecer e limitar a lógica neoliberal que nomeia quaisquer elaborações como perda de tempo, apenas porque ainda não se delimitou o que se “fará depois”.
Mulheres possuem o direito à revolta, aos desabafos, à compreensão do modus operandi da opressão à qual estão submetidas e à fazerem todo o seu caminho, do pesar à organização política, em seu próprio tempo. Somos responsáveis por nossas vidas e escolhas, mas não detemos poder sobre a casta sexual na qual fomos alocadas e a resposta política ao sofrimento, é única e necessária. E se liberdade tornou-se símbolo de “ressentimento”… Prazer, sou uma feminista ressentida. E penso que você também deveria ser.