Numa sociedade sexualmente estratificada, mulheres são submetidas às mesmas estratégias de dominação às quais outros grupos oprimidos são — divisão por castas, pequenos subornos àquelas que aceitam “trair” as integrantes da sua classe, punições severas àquelas que desejem fugir das normas dominantes, extrema violência psicológica e constante terrorismo, para que jamais se esqueçam do posto ao qual foram socialmente destinadas. Tais estratégias são essenciais para a construção de uma identidade “subalterna”, na qual mulheres internalizam que “são inferiores” e por conseguinte “merecem um tratamento diferenciado”. Como exemplo, muitas mulheres consideram aceitável que um homem julgue e separe outras mulheres entre “para o matrimônio” e “para o d*sej* sexu*l”, corroborando até mesmo com o discurso de que determinadas integrantes da classe não se dão valor.
Aprendemos, sobretudo, que a divisão por castas ocorre para uma suposta proteção e que devemos internalizar que algumas mulheres carecem de ser o alvo da violência masculina, para que nós não o sejamos. Afinal, em uma sociedade na qual há a dominação masculina, reivindicar que homens abandonem suas práticas de violência para com todas as mulheres e tratem toda a classe feminina como humanos iguais, se exibe utópico. Neste caso, a sociedade tende a apelar para a perspectiva da estratificação em vias de “redução de danos”. Pois, ao invés de “permitir” que todos os homens sejam deliberadamente violentos com todas as mulheres, passa-se a “permitir” que homens possam executar a sua violência com determinadas castas específicas da classe feminina, para que assim sejam apaziguados e “poupem” as outras mulheres.
Por conta de tal perspectiva, algumas ativistas do passado defenderam que a prostituição jamais poderia ser extinta. Porque, caso não houvesse mulheres que fizessem s*xo sob demanda, os homens est*pr*riam todas as que quisessem. Desta forma, convenciona-se de que se faz necessário que haja mulheres em situação de extrema vulnerabilidade para que algumas sejam “poupadas”. Mas tal premissa é uma armadilha, pois qualquer uma está a um passo de tornar-se uma “mulher que não importa”. Basta-nos empobrecer, ser imigrantes, ser negras, ter uma vida s*xu*l e afins, para que já sejamos classificadas nessa casta que supostamente merece e precisa ocupar o local de sacrifício no altar patriarcal, para que outras “sobrevivam”. No final do dia, todas nós seríamos sacrificadas.