Nas últimas décadas, discussões em torno da suposta epidemia da solidão masculina têm se tornado recorrentes em países como Estados Unidos, Japão e Coreia do Sul. Sob os argumentos de diminuição no índice de casamentos e nas taxas de natalidade, alguns defendem que o aumento das questões socioeconômicas têm influenciado mulheres a retirarem os relacionamentos com homens do centro de suas vidas, teoricamente contribuindo para o declínio de sua vida pessoal, social e afetiva.
Nessa perspectiva, se faz notória a responsabilização implícita que recai sobre as mulheres, a partir de um discurso que as classifica como reguladoras emocionais, sociais e até mesmo profissionais, nas vidas masculinas. Afinal, segundo dados de uma das representações regionais do banco central estadunidense, homens casados tendem a ter salários maiores do que solteiros. Além disso, no que tange a saúde mental, estar casado representa um fator de proteção contra o suicídio, como esclarece matéria: “Quanto ao perfil, 60% das pessoas que se suicidam são solteiras, viúvas ou divorciadas. Entre os casados ou em união estável, o índice é de 30%.”.
Nessas circunstâncias, percebe-se que a relação heterossexual tende a beneficiar os homens em escala elevada, enquanto contribui para maior sobrecarga emocional, financeira e social nas mulheres. Assim, ainda que implicitamente, passam a se responsabilizar por seus parceiros. Após o aumento substancial dos índices de violência masculina em escala global, mulheres têm buscado o afastamento das relações íntimas com os do sexo oposto, ainda que não estejam necessariamente conectadas ao feminismo.
Nas últimas pesquisas sobre os sonhos das brasileiras, viajar se mostrou como o anseio mais recorrente — ficando à frente de constituir família e ter um relacionamento amoroso. O fortalecimento da desigualdade socioeconômica e o avanço da extrema direita enquanto movimentos de rebote, também estão aprofundando o desejo feminino por afastamento, levando alguns países a adotar medidas alarmantes, como a Rússia, que passou a criminalizar o discurso child free, onde mulheres compartilham os benefícios de uma vida solteira e sem filhos.
Dessa forma, o resgate de mitologias historicamente utilizadas para fortalecer o estigma sobre mulheres que não se relacionam com homens têm retornado com imensa força. A perspectiva de que relacionamentos heterossexuais são benéficos têm sido incentivada através da ascensão de produtos culturais como doramas, novelas diversas e conteúdos nas redes sociais voltados aos nichos de feminilidade. Afinal, o casamento, a família e a paixão heterossexual são instituições e mecanismos sociais necessários à manutenção da dominação masculina.
Através desses subterfúgios, mulheres tendem a manter o seu status social de assistentes e prestadoras de serviços não remunerados aos homens. Facilitando assim não somente a vida dos mesmos, como também se tornando propulsoras de seu sucesso e bem-estar. A fantasia romântica vendida às mulheres, em especial jovens, não se sustenta na materialidade das relações sociais entre mulheres e homens.
Mas, somos coagidas cultural, emocional e socialmente a tomar parte nessa encenação na qual atuamos apenas como coadjuvantes. A quem servem os fantasmas sobre senhoras dos gatos ou tias encalhadas? Pensemos.