Nas últimas semanas, uma notícia veiculada pelo The Irish Times (Dublin, Irlanda), trouxe à tona um problema crescente e assustador no mercado imobiliário do país: locatórios do sexo masculino estão propondo anúncios nos quais as inquilinas teriam de aceitar se prostituir em troca de um valor reduzido no aluguel. A situação, que segundo alguns não é inédita, tem se agravado em razão da crise imobiliária no país, onde a procura por habitação tem superado a oferta.
Nesse cenário, diversos locatários têm se aproveitado da insegurança financeira vivida por jovens mulheres irlandesas e também por imigrantes, para cobrar favores sexuais em troca de alugueis mais baratos.
“Darling Duran estava procurando um lugar para alugar em Dublin quando o anúncio de um apartamento de um quarto por 700 euros por mês apareceu em seu feed do Facebook. Quando ela entrou em contato com o homem que estava anunciando o espaço, descobriu que ele morava no apartamento e que ela teria que dividir a cama com ele.”, diz a matéria.
Apesar da reportagem abranger a problemática em Dublin, não é possível esquecer-se das mulheres imigrantes ou em situação de vulnerabilidade que são submetidas à propostas envolvendo tráfico humano, exploração sexual e casamentos arranjados a fim de usufruírem de direitos ou garantias socioeconômicas em seus países de permanência. Ademais, o que surpreende e choca, é o fato de tais propostas não estarem ocorrendo de forma soturna, mas sim através de anúncios públicos, direcionados às mulheres em situação precária no país.
Mas, o que há em comum com o cenário no qual vivemos no Brasil? Através dessa notícia, abordaremos um dos pontos cruciais na dominação masculina: a subjugação financeira das mulheres.
Historicamente, desde a fundação do Patriarcado, mulheres têm sido impedidas de acumular riquezas, gerir patrimônios e obter a tutela sobre heranças — sem a legislação de um homem da família, além de terem o acesso aos estudos estrategicamente impedido ou dificultado. Tais cenários existiram e ainda perduram em países de todos os continentes. Percebemos, afinal, que as palavras de Simone de Beauvoir (adaptação) seguem válidas no século XXI: basta uma crise política ou cultural para que os direitos das mulheres estejam mais uma vez sob ataque.
Nesse contexto, o afastamento das mulheres, seja das finanças ou da autonomia financeira, como também de perspectivas voltadas à educação e à seguridade social, têm sido utilizado como estratégia política de vulnerabilização, nos deixando suscetíveis às diversas explorações sexuais que nos são infligidas pelos homens no sistema patriarcal e capitalista.
Pensemos, será que em um cenário no qual mulheres tivessem igual acesso à empregabilidade, segurança financeira, educação financeira e crescimentos de carreira, tantas de nós aceitariam se submeter aos diversos abusos, constrangimentos sexuais e violências sexuais e afetivas que nos são impostas pelos homens? Será que haveria um exército de mulheres dispostas a vender seus óvulos, servirem como barrigas de aluguel, se casaram, entrarem na indústria do sexo ou ceder às barganhas de sexo em troca de um aluguel mais barato?
A vulnerabilidade financeira das mulheres é uma estratégia voltada à maior disponibilidade das suas capacidades sexuais e reprodutivas. Ao percebermos tal conexão, se faz notório que as tentativas de diminuição dos direitos das mulheres no sul global estão intimamente conectadas ao desejo do aumento de sua disponibilidade aos indivíduos de países economicamente desenvolvidos e aos homens em geral. Segundo matéria do site Terra Uol (2024), “Um estudo da Confederação Nacional do Comércio (CNC), divulgado no último Dia Internacional da Mulher, revelou que este ano 80% das mulheres brasileiras estão endividadas.”
Além disso, mulheres seguem recebendo menores salários em diversas funções e levam mais tempo para alcançar a independência econômica. Por vezes, jamais a alcançando. Tais mecanismos socioculturais são cruciais para rupturas na autoestima feminina e um afrouxamento das noções de dignidade, agência e possibilidades de escolha.
Precisamos pensar na vulnerabilidade financeira como mais um mecanismo basilar da opressão imposta às mulheres.