Nos últimos dias, o jornal O Globo divulgou uma pesquisa que classificava os termos mais utilizados nas canções que tem se tornado hit no Brasil. Segundo os resultados, palavras como: “sentar”, “tomar”, “travar” e entre outras que fazem alusão ao sexo explícito e por vezes violento, demonstram números expressivos e marcam presença nas produções brasileiras atuais. A hipersexualização na cultura brasileira jamais foi uma temática inédita. Afinal, o próprio país foi edificado às custas da exploração sexual sistemática de mulheres racializadas no período colonial, e em épocas como os anos 1980, teve a sua imagem largamente difundida em um viés direcionado ao turismo sexual.
Se faz necessário compreender que o Brasil atual se encontra em um contexto globalizado, sendo afetado pelos desdobramentos culturais e mercadológicos que ocorrem nas nações mais poderosas. Dessa forma, quando conhecemos obras como o célebre “Pornland”, livro escrito pela pesquisadora feminista de raiz Gail Dines a respeito da indústria pornográfica, percebemos que conforme a indústria se alarga e angaria um maior número de heavy users (consumidores viciados), a pornografia torna-se mais extrema e, em decorrência disso, a indústria cultural mainstream mais se pornifica.
Nesse contexto, a fim de que não haja um “choque de valores” entre os produtos culturais vendidos pela indústria e os seus princípios falsamente feministas que são utilizados para agregar valor, se faz necessário que as mensagens mistas sejam transmitidas ao público em uma frequência cada vez maior, em especial, ao feminino. Destas ações, surgem os discursos neoliberais a cerca de uma suposta liberdade individual na hiperssexualização ou, até mesmo, na submissão ao sexo masculino. Afinal, na nova roupagem do patriarcado 2.0 em sua bem-sucedida aliança com o capitalismo, as classes oprimidas são convencidas de que a sua opressão é opcional e pode se tornar uma fonte de prazer e “subversão”.
Não coincidentemente, a imagem da “mulher forte” ou “mulher de negócios”, tem estado cada vez mais relacionada às cantores que realizam performances hiperssexualizadas e que afirmam “se submeter por vontade própria” nas letras de suas canções, como no caso do novo hit “CACHORRINHAS”, no qual a artista compara a si e as suas amigas à “cachorras que dão a patinha” de modo a tentar subverter aquilo que geralmente é atribuído às mulheres como ofensa.
Salienta-se que há um aprofundamento da lógica que foi abordada no início do texto. Afinal, se em décadas passadas tínhamos homens a cantar sobre mulheres “serem cachorras”, atualmente as próprias mulheres o fazem e cogitam estarem realizando alguma espécie de subversão. Se faz necessário compreender que a problemática não reside especialmente nas cantoras, mas sim na indústria que as obriga a aderir a hipersexualização de maneira cada vez mais intensa a fim de que mantenham alguma relevância. Não se pode esquecer que até mesmo os algoritmos de algumas redes sociais privilegiam fotografias que “expõem a pele” com maior veemência.
Mulheres deitaram, rolaram e “deram a patinha” por muitos anos dentro da estrutura patriarcal. Se as antigas feministas bradavam: “queimem o seu sutiã”, sinto-me na obrigação de bradar: “queimem as suas coleiras”!
Yasmin Morais
Só uma nota: nós brasileiros somos considerados "não-ocidentais"(non-western). Descobri isso recentemente num fórum de geopolítica enquanto procurava dados sobre Império…