Written by: Feminismo Raiz

Desfeminilização e mulheres negras

Romper com a feminilidade patriarcal, significa para mulheres retornar às raízes de nossas relações matrilineares e, sobretudo, vislumbrar um futuro de fazeres políticos verdadeiramente centrados nas pautas e demandas femininas.

Após a emergência de movimentos tais o #TireOEspartilho no Brasil, nos foi possível contemplar mulheres racializadas e especificamente negras a raspar suas cabeças – ou cortar seus cabelos -, a desfazer-se de suas maquiagens e a modificar aspectos de seu vestuário que anteriormente lhes eram desconfortáveis. E, no escopo desta movimentação, inúmeras questões a respeito das consequências da desfeminilização em mulheres negras vieram à tona. 

Inicialmente, faz-se necessário compreender que a concepção de feminilidade institucionalizada no patriarcado ocidental, é inspirada em signos e trejeitos presentes na branquitude. Deste modo, a “mulher feminina” performa ideais de pureza, beleza e sexualidade baseadas naquilo que era socialmente esperado das mulheres nas sociedades europeias. Não obstante, Angela Davis em “Mulheres, Raça e Classe”, aborda a condição de não-mulher na qual punham as escravizadas negras por conta dos trabalhos braçais que lhes eram impostos. A fêmea humana que não se enquadrasse no ideal vigente da feminilidade, perdia o status de “mulher” e tornava-se o Outro. 

Na atualidade, vivenciamos um cenário similar. Na concepção social brasileira, quanto mais fenotípica uma mulher negra é, mais afastada encontra-se dos ideais de feminilidade. Não obstante, esta é uma das razões pelas quais muitas mulheres negras não conseguem abdicar dos signos da feminilidade. Afinal, como traz a teórica Lélia Gonzalez em um de seus artigos presentes no livro “Por um Feminismo Afro-latino-brasileiro”, termos tais “boa aparência” foram historicamente utilizados para demarcar subjetivamente que a aparência desejável seria aquela encontrada em mulheres brancas. 

Contudo, vale salientar que a desfeminilização não relaciona-se apenas ao rompimento com a estética patriarcal, mas sim, com o fortalecimento social, político e subjetivo de mulheres a partir de suas relações consigo próprias e com a comunidade feminina. Romper com a feminilidade patriarcal, significa para mulheres retornar às raízes de nossas relações matrilineares e, sobretudo, vislumbrar um futuro de fazeres políticos verdadeiramente centrados nas pautas e demandas femininas. Afinal, o “espartilho” jamais esteve comprimindo somente os nossos corpos. Mas sim, as nossas mentes. 

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Tags:, , , , , Last modified: 1 de agosto de 2021