Nas últimas semanas, o caso envolvendo o cantor estadunidense D4VD (20 anos), suspeito de assassinar Celeste Rivas (14 anos), menor com a qual mantinha uma relação ilegal, veio à público. Tornando-se famoso a partir das plataformas digitais, com canções como Romantic Homicide e Here With Me tendo viralizado na rede social de vídeos curtos, o cantor reúne bilhões em número de streamings em suas músicas e estava em turnê até meados do mês de setembro deste ano.
O caso se deu no dia oito de setembro, quando indivíduos nas proximidades de Hollywood Tow — espaço de reboques e estacionamentos para carros em Los Angeles, denunciaram às autoridades um cheiro desagradabilíssimo vindo de um carro do modelo Tesla. Após averiguação, foi localizado no veículo o corpo aos pedaços de uma adolescente desaparecida há cerca de um ano, que viria a ser identificada como Celeste Rivas, então namorada ‘secreta’ de D4VD.
Dentre os fatores a favorecerem a suspeita sobre o cantor, estão o crime de estupro de vulnerável — pois a idade legal de consentimento no estado da Califórnia é 18 anos, suas constantes tentativas de ocultar a relação com a vítima e também o teor de suas obras. Ademais, o próprio artista admitiu há alguns anos em rede social privada que já foi sexualmente viciado em gore (conteúdo explícito de violência e mutilações), além de possuir em sua videografia obras que culminam com atos de violência e assassinato brutal contra mulheres. No momento, D4VD já se encontra sob investigação e sua carreira segue em suspenso dados rumos do caso.
A imagem da mulher enquanto ser ‘humanoide’, mas jamais ‘humano’, é explorada no Patriarcado desde sua fundação há mais de 2 mil anos. Autoras como Gerda Lerner, na obra ‘A Criação do Patriarcado’, relatam com profundidade a extrema desumanização sofrida pela imagem feminina, não apenas para sustentar as dinâmicas de violência, mas também para imprimir na História e no imaginário coletivo o status desumano que é imposto às mulheres no sistema de dominação masculina.
Nessas circunstâncias, como bem nos recordam as autoras Andrea Dworkin e Silvia Federici, os corpos das mulheres não são apenas apenas territórios a serem colonizados — mas também, como na política sexual da carne, peças cujos pedaços são fatiados e vendidos à medida em que beneficiam àqueles que podem os adquirir. A imagem da ‘mulher aos pedaços’ é retratada e alimentada no imaginário social há milênios. Afinal, para que serve uma mulher? O útero, ovários e trompas para procriação, a vagina para o prazer, as mãos para cozinhar, os pés para o fetiche e em diante.
Não obstante, a fantasia da boneca sexual ou as histórias sombrias das bonecas sexuais humanas, permeiam o imaginário social na medida em que causam repulsa e curiosidade. Afinal, dentro da dinâmica masculina, qual mulher não está aos pedaços ou paralisada? Homens aprendem e propagam a ideia do desejo sexual pelos pedaços despersonalizados das mulheres, referindo assim ao que há de mais pernicioso na cultura: a certeza de que mulheres seguem sendo consideradas criaturas humanoides, mas não humanas.
Dessa forma, mulheres são utilizadas como meros recursos discursivos nas histórias e fantasias dos homens, sejam as vítimas que ascendem socialmente apenas após inúmeros sofrimentos, sejam as mães perversas que se tornam a causa de sua voracidade e violência contra outras mulheres, sejam a esposa que ficou ‘chata’ após a maternidade, sejam a ‘criança pueril’ que lhes despertou o desejo de viver um ‘amor proibido’ e os levou a ‘cometer um crime passional’.
A degradação das mulheres é uma das formas mais ancestrais de ratificação da violência e do papel social subalterno que nos é imposto. Degradar uma mulher, seja da forma mais perturbadora, como estupro e assassinado, até da forma mais implícita, como através de xingamentos de cunho sexual ou diminuição de seu valor perante outros, é uma forma de socialização de poder entre homens dentro do esquema da dominação masculina.
Os atos de homens como D4VD refletem uma dinâmica social ainda posta. Por mais que aberrante quando chegue ao seu extremo, segue sendo admitida, glorificada e aceita em suas formas culturais, religiosas e discursivas. Eles ainda nos querem aos pedaços.