No capítulo da novela Vale Tudo (05/09), remake da obra homônima de 1988, a personagem Aldeíde (46 anos) foi flagrada aos beijos com o então namorado André (27 anos), filho da melhor amiga, Consuelo. Na cena, para além da humilhação sofrida e ser chamada de “senhora” em tom pejorativo, a personagem se tornou alvo de discussões em torno da escolha de manter um relacionamento com um homem 19 anos mais jovem. Salvo o paradoxo moral em torno de Aldeíde ter acompanhado o seu crescimento, a questão mais emblemática a ser levantada por todos foi a diferença de idade de ambos.
A temática apresentada na subtrama tem estado em evidência nos mais diversos cenários dentro e fora do Brasil. Afinal, desde o início dos anos 2010, com a ascensão cultural das mulheres 40+ independentes e da classe média, a imagem da mulher mais velha que se relaciona com homens mais jovens em busca de prazer e parceria intelectual, tem ganhado ares menos pejorativos na indústria cultural.
Desde obras como as recentes Babygirl (2025) e Good Luck, Big Leo (2022) ou o mais antigo The Reader (2008), as narrativas onde mulheres mais velhas reafirmam o seu desejo, para além do sexual, se exibem com certa autonomia. Contudo, é curioso perceber que após séculos de reafirmação da imagem do homem mais velho acompanhado de adolescentes ou mulheres mais jovens, apenas agora, quando o jogo está se invertendo, iniciam uma discussão sobre a “diminuição do age gap” entre os pares românticos.

A imagem de uma mulher mais velha acompanhada de um homem mais jovem desafia a lógica muito bem descrita no livro “Olhares Negros: Raça e Representação”, da autora bell hooks. Afinal de contas, apenas àqueles que dominam é reservada a autonomia e o prazer do olhar. Nessa dinâmica, é socialmente aceitável que os homens possam usufruir da beleza e da juventude de mulheres e homens. Mas às mulheres, enquanto socialmente subalternas, é reservado somente o espaço de objeto do olhar, mas nunca de observadora.
Dessa maneira, se torna inaceitável conceber a mulher enquanto indivíduo que também deseja usufruir da beleza e da vitalidade de outrem. Tal como se o seu único ativo fosse a própria vitalidade, que só serve se estiver disponibilizada em uma prateleira — como bem nos traz Valeska Zanello —, para que seja consumida por homens. De forma alguma desejo enaltecer a busca constante por parceiros mais jovens em ambos os sexos, tampouco fortalecer uma retórica etarista.
Contudo, é de notório saber que o julgamento sobre homens que se relacionam com mulheres mais jovens se dá quase que única e exclusivamente por parte do movimento feminista. Enquanto isso, mulheres que se relacionam com homens mais jovens recebem julgamentos de todas as parcelas da sociedade. Afinal, o prazer é uma seara na qual mulheres jamais podem ingressar como sujeitos, mas sempre como sujeitadas.
A partir do momento em que mulheres de todas as idades, mas especialmente mais velhas, expressam seu desejo por homens mais jovens, mais interessantes ou viris, estão desafiando diretamente a fantasia masculina de que o envelhecimento é uma questão que ocorre somente às mulheres. Desafiamos, assim, a fantasia masculina de ser aceito e desejado sob toda e qualquer circunstância: privilégio esse que mulheres jamais tiveram no Patriarcado.
Na imersão “Tudo é sobre bebês: crise na natalidade e extrema-direita”, discutiremos não apenas sobre violência contra a mulher. Mas, sobretudo, falaremos sobre o olhar: como nós cultivamos o olhar opositor? Como o olhar do outro nos constrói como mulheres nesses contextos de violência? Como a IA e as novas dinâmicas impostas pela extrema-direita influenciam o nosso olhar e o olhar dominante? Venha conosco!