A estética é um fundamento importante nas comunidades humanas desde tempos imemoriais. Para além das expectativas de gênero, determinados penteados, modificações corporais e vestimentas servem como marcadores socioeconômicos e para designar em qual fase da vida uma pessoa se encontra. Após o tráfico transatlântico e a chegada de indivíduos africanos às Américas, aspectos das culturas africanas foram preservados através da culinária, de influências na língua e cultura, como também por intermédio da estética.
Entretanto, numa cultura que demoniza a aparência física natural de mulheres e homens negros, determinados penteados presentes nas comunidades negras passaram a se tornar populares entre mulheres negras por “esconderem” as texturas cacheadas e crespas, sustentando uma similaridade, em comprimento, com os cabelos lisos.
Nesta semana, a tricologista e especialista em estética negra Josi Helena trouxe reflexões importantes acerca das consequências nefastas do racismo estético sobre mulheres, “a busca por pertencimento através da estética adoece quem mais longe está do ‘ideal’ imposto. Não é o comprimento ou textura dos cabelos que determina o que é ser feminina ou bela, mas no subconsciente de mulheres negras isso não é verdade”, disse em matéria ao veículo Mundo Negro.
Na sociedade patriarcal, a feminilidade é um conjunto de regras, expectativas e normas sociais que são impostas às mulheres a partir da socialização feminina. Via de regra, se constitui na docilização e coação social, forçando culturalmente comportamentos submissos e despersonalizados nas pessoas do sexo feminino. Mulheres que escapam às normas comportamentais e estéticas sofrem duras punições que abrangem desde colocações desfavoráveis no mercado de trabalho até o feminicídio.
Entretanto, se faz necessário recordar que a feminilidade não é imposta de uma mesma maneira a todas as mulheres sob o Patriarcado. Devido ao histórico colonial, a feminilidade à brasileira pode se configurar a partir de três grandes estereótipos: a “mulher dócil”, a “negra insaciável” e a “nativa selvagem”.
Nessa tríade, a docilidade é esperada de mulheres brancas, assim como uma maior adequação à feminilidade eurocêntrica (casar-se, tornar-se mãe de família nuclear burguesa, virgindade, submissão e pureza). Já das negras e indígenas, é esperada uma feminilidade brutalizada e hipersexual, coadunando com os estereótipos raciais que sustentam a imagem de mulheres racializadas como “animais de segunda classe”, não-humanas e não-mulheres. Dessa maneira, espera-se que negras e indígenas sejam trabalhadoras despersonalizadas, tenham sua aparência natural classificada como “feia”, mas seus corpos como “atraentes” e prontos para o consumo.
Yasmin Morais
Ao tentar se adequar ao estereótipo de “mulher dócil” a partir de uma performance de docilidade e modificações estéticas como clareamentos, alisamentos e uso excessivo de tranças, mulheres negras tentam escapar ao estereótipo brutal que nos descreve como indignas até mesmo da mulheridade, nos alocando em um espaço social mais vulnerável.
Pesquisas recentes encontraram substâncias cancerígenas e capazes de ocasionar lesões oculares em produtos voltados à estética de mulheres negras. Caracterizando um risco para além dos danos psicológicos. Além disso, o uso recorrente de tranças e apliques tem sido causa central de casos de alopecia por tração e alopecia irreversível. Percebemos assim que a saúde e preservação das mulheres negras não é respeitada, ao ponto de estarmos mais suscetíveis à intoxicação a partir dos produtos que muitas tendemos a usar apenas para que sejamos vistas sob um olhar mais humanizado.
A estética importa, é uma arma que tem sido usada contra nós desde que aqui chegamos.