Written by: Feminismo Material

O princípe branco e o amante negro: os perigos dos estereótipos raciais nos relacionamentos

Na última publicação disponível, utilizei a história do relacionamento entre os personagens Adeílde (46 anos) e André (27 anos) a fim de que construíssemos uma discussão em torno do etarismo e da ojeriza social às mulheres que se relacionam com homens mais jovens. De antemão, recordo que o caso foi utilizado única e exclusivamente para sustentar a argumentação, não significando que concordo com relacionamentos entre indivíduos que acompanharam de algum modo o crescimento etário um do outro. 

Dentre os temas aprofundados a partir dos personagens, surgiu a discussão em torno da hipersexualização do homem negro e de pessoas negras em geral nos relacionamentos inter-étnicos (relações entre pessoas de etnias diferentes). 

Construindo uma reflexão a partir das imagens de controle, conceito da socióloga e filósofa Patricia Hill Collins sobre os estereótipos nos quais pessoas negras são historicamente encaixadas e a partir dos quais são desumanizadas, podemos utilizar o arco de André para discutir e compreender algumas mitologias raciais acerca de homens negros e brancos em relacionamentos.

No início de seu arco amoroso, André, jovem negro de classe média baixa que vivia com a família trabalhava em um aras e mantinha um relacionamento amoroso informal com a personagem Fernanda, também negra, de mesma classe social e faixa etária. Contudo, ao decorrer da trama, Tiago, filho de Marco Aurélio e Helena com o qual André nutria uma amizade, se interessa por sua então “namorada” e constitui um triângulo amoroso.

Tiago e Fernanda na novela “Vale Tudo” (2025)

Nalgumas cenas anteriores ao caso, Fernanda argumenta que não desejava ter uma relação séria com André, mas decidiu rapidamente manter e continuar a relação com Tiago — ainda que tenha sofrido racismo por parte de sua família. A imagem de Tiago é formulada no lastro do “homem ideal da geração Z”, desconstruído, sensível e aberto ao novo. A sua vulnerabilidade é inclusive expressada numa cena onde vivencia uma crise de ansiedade e é socorrido por Fernanda. Enquanto isso, a imagem de André se baseia na lógica do “jovem trabalhador” desejando ascensão, mas sem o mesmo nível de aprofundamento.

Enquanto a abordagem em torno de Tiago realiza todo um exibicionismo de sua vulnerabilidade, abertura e sensibilidade, as imagens em torno de André, especialmente após o início do relacionamento com Adeílde, possuem uma ótica muito mais erótica e hipersexualizada. Ainda que em estado de subtexto, a mensagem comunicada constrói o paralelo: homem branco = doçura, beleza etérea, estabilidade / homem negro = sexualidade, beleza erótica, instabilidade. 

Tais estereótipos presentes no contexto racial de países como o Brasil, bebem profundamente das mitologias raciais construídas em torno das comunidades negras no período da escravatura e do pós-abolição. A fim de edificar uma retórica favorável à exploração sexual desses grupos, criou-se o mito de que negros são mais sexuais, possuindo uma natureza inclinada aos desejos da carne e menos intelectual. Dentro dessa perspectiva, a imagem do homem negro segue alocada enquanto ideal sexual masculino despersonalizado, intelectualmente inferior e voltado à uma lascívia animalesca em diversas abordagens dentro do cenário cultural. 

Nas pequenas sutilezas, como nas imagens sexuais em contrapartida com as “adoráveis e sensíveis” do concorrente, vai-se criando a noção de que homens brancos seriam “mais dóceis”, “mais complexos”, “mais inteligentes” e “melhores parceiros” do que homens negros. Quando, na verdade, o mito racial sobre homens negros esconde uma verdade tangível na história colonial: homens brancos possuíam a hegemonia sexual no período, violando e agredindo sexualmente mulheres negras, brancas, indígenas e até mesmo homens negros. 

O mesmo ainda ocorre no contexto atual, onde homens brancos, especialmente europeus, seguem sendo romantizados das mais diversas formas, enquanto protagonizam casos dantescos como o vivido por Gisele Pelicot na França. 

Dessa maneira, ao aderir mitologias racistas nos relacionamentos, as mulheres se colocam em situação de profunda vulnerabilidade, pois a violência doméstica extrapola etnia e classe social.

Na imersão “Tudo é sobre bebês: crise na natalidade e extrema-direita”, discutiremos não apenas sobre violência contra a mulher. Mas, sobretudo, falaremos sobre o olhar: como cultivamos um olhar atento aos estereótipos? Como o olhar do outro nos constrói como mulheres nesses contextos de violência? Como a IA e as novas dinâmicas impostas pela extrema-direita influenciam o nosso olhar e o olhar dominante? Vem com a gente!

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Tags:, , Last modified: 22 de setembro de 2025