Nas últimas semanas, uma das temáticas mais discutidas nas redes sociais tem sido a ascensão dos babies reborn, bonecos hiper-realistas que simulam bebês recém-nascidos. Dessa forma, diversos influenciadores têm produzido conteúdo sobre a temática, assim como a comunidade de mulheres que colecionam ou simulam a maternidade a partir dos bonecos passou a ser alvo de chacota e comentários negativos.
Salvo as discussões em torno da saúde mental feminina e da socialização de gênero que nos doutrina à execução dos trabalhos de cuidado, uma questão mais complexa foi ofuscada: mulheres são coagidas a se enquadrarem por completo na norma vigente, enquanto homens podem facilmente transgredir os acordos sociais.
Tal temática entrou em cena a partir de duas discussões. A primeira ocorreu na rede social T!k T0k, onde uma influenciadora especializada na produção de babies reborn compartilhou o comentário de um homem lhe questionando se suas bonecas possuem “cavidades”, no intuito de utilizá-las como objeto sexual. Para além da revolta gerada, surgiram questionamentos da parte de outros homens, alegando que pedófilos deveriam ter direito às bonecas infantis com cavidades, pois seria “menos danoso à sociedade”.
Entretanto, não há pesquisas consistentes apontando diminuição em índices de estupro e abuso sexual relacionados às bonecas. Na verdade, em se tratando de materiais como a pornografia e pornografia infantil, as pesquisas tendem a apontar um aumento na incidência do comportamento violento ou indiferente às violências feitas às mulheres em seus consumidores.
A segunda discussão se deu a partir do anúncio da empresa chinesa WMDolls sobre o lançamento de bonecas sexuais com IA embutida. Segundo representantes da empresa, a inserção de inteligência artificial generativa nas bonecas lhes fará possuir uma capacidade responsiva maior. Além disso, os usuários poderão escolher o “nível de inteligência” das bonecas, podendo satisfazer as mais diversas fantasias, como estupro, atos pedófilos e entre outros. Um cenário algo próximo do filme Companion (2025), abordado por mim.
Assim como no caso ocorrido no T!k Tok, inúmeros homens argumentam que a existência de bonecas sexuais humanoides — agora com IA — seria a “solução” para pedófilos e estupradores. Contudo, mais uma vez, nenhuma pesquisa comprova a diminuição da violência sexual relacionada à aquisição ou existência das bonecas. Ademais, inúmeras questões éticas tendem a surgir a partir desses objetos. Acima de tudo, quando pensamos na necessidade de um objeto sexual cada vez mais similar à uma mulher e/ou criança real, percebemos que o papel subalterno direcionado às mulheres não está sofrendo alterações sociais e tampouco no imaginário. Pois, percebe-se que o prazer reside justamente na degradação ou sujeição de uma figura feminina completa, não apenas de orifícios.
Afinal, ao abordarmos a parcela da indústria sexual destinada às mulheres, os objetos sexuais tendem a se resumir à genitália masculina ou a formatos similares, mas dificilmente encontram-se mulheres interessadas em larga escala em bonecos sexuais masculinos. Quiçá, em bonecos de aparência infantil. Afinal, uma das componentes mais preciosas ao desejo sexual masculino no contexto patriarcal, é a sujeição da figura feminina no intuito de fortalecer a sua fantasia de superioridade sexual.
A ideia de que homens se tratam de criaturas animalescas as quais precisam ter todas as suas necessidades atendidas, ainda que às custas dos corpos de mulheres e crianças, ronda o imaginário social desde tempos imemoriais. Em especial, quando pensamos na figura da mulher em situação de prostituição. O discurso de que algumas mulheres precisam ser prostituídas a fim de que os homens não estuprem mulheres de maneira aleatória, inclusive permanece como retórica para a manutenção da exploração sexual. Pois, no imaginário social, alguém precisa ser oferecido como sacrifício às feras.
Sob a ótica social, homens carecem de substitutos disponíveis para a realização dos seus mais diversos desejos antissociais, como o estupro e a pedofilia. Contudo, mulheres que adquirem bonecas, por vezes no intuito de sanar a dor da perda gestacional ou da impossibilidade de procriação, são consideradas aberrações. Mulheres precisam manter-se completamente integradas aos pactos sociais de normalidade. Caso contrário, sofrem punições severas. Porém, homens possuem permissões tácitas ou explícitas para que criem meios, por muitas vezes desafiando a ética, para terem os seus desejos atendidos.